Vidas Cegas

Capa
vidas cegas


Autor Marcelo Benvenutti
Ilustrações Guilherme Pilla
Gênero Narrativas
Coleção Contra a Capa
Ano 2002
Especificações 176 p. ; 12x18cm
Preço R$ 21,00 (como comprar)
Sobre o autor Marcelo Benvenutti não é um escritor. É um ladrão, e deve ser tratado como tal.



Trecho do livro
"O sol ainda não iluminava o quarto de Francisco pelas frestas da veneziana e ele, de olhos abertos, esperava o dia nascer observando a janela escura. O dia nasce como as sílabas de cada palavra sendo formada. Cada sílaba das palavras que vão se formando na mente de Francisco. A rua ainda deserta contrasta com a mente cheia de idéias de Francisco. A primeira empresa que Francisco marcou nos classificados do jornal foi uma indústria química. Precisa-de de contador especializado em análise de custos, com fluência em inglês e conhecimento de programas de planilhas e bancos de dados. No ônibus, sentado, observando as ruas que vão esvaziando as casas pelo caminho, Francisco fechou os olhos e enxergou-se sentado em uma cadeira de braços confortáveis, com um computador na sua frente, a caneca de café esfumaçante em um canto da mesa e um telefone exclusivo. E tudo se dissipou quando enxergou-se morto, sentado na frente do computador empoeirado. Milhares de pessoas mortas em uma explosão no sul da Índia. E Francisco pensou naquele emprego na companhia de seguros. A mesma cena, o mesmo sonho, milhares de pessoas mortas em uma explosão no sul da Índia. E em todos os empregos marcados em seu classificados de jornal, Francisco enxergava a mesma cena. Morte. Francisco desceu do ônibus, entrou em um bar qualquer, pediu uma média e sentou-se em um banco. Tentava entender o porquê desse sonho insistente e irracional. Logo com ele, um reles contador de trinta anos procurando um emprego para levar sua vida adiante. Quem sabe conhecer uma mulher que pelo menos o suportasse, já que não acreditava que alguém pudesse realmente amar alguém a ponto de abandonar seus próprios sonhos? Quem sabe poder viajar pela Europa em um outubro qualquer? Quem sabe ter uma filha com o nome de Ângela e levá-la para passear e brincar na pracinha dentro do condomínio fechado em que ele certamente um dia moraria? Uma placa com o seu nome na porta de um escritório em um prédio envidraçado e escuro no centro da cidade. Cada sonho se formava em sua mente como as palavras em uma frase interminável. E Francisco perdia-se em seus próprios pensamentos de felicidade egoísta e humana. Pediu uma cerveja. Ana dirige despreocupada pela cidade. De óculos escuros e fumando um Marlboro Light, Ana brinca de ziguezague pelas ruas vazias de um bairro da periferia. No rádio, uma velha música de um inglês morto. Na mente, álcool da noite anterior. No sangue, cocaína da noite anterior. No estômago, esperma da noite anterior. Na rua vazia um homem que atravessa a frente do carro surgindo do nada de dentro de um bar. No sul da Índia, milhares de pessoas trabalham em uma fábrica de remédios."


O que foi dito
"A volúpia pessoana do gaúcho o fez desmembrar a imaginação numa série inumerável de personagens: daí, o título de cada narrativa de Vidas cegas principiar com um "A vida de...". Entretanto, após leitura atenta, não se consegue divisar se Benvenutti - que narra quase sempre na terceira pessoa, mantendo um olhar totalizador da história, ainda que acompanhando suas personagens com um fraterno afeto - é um multinarrador, com diversas personas literárias coexistindo em seu "auto-sistema", ou um único narrador fragmentado em inúmeros microentes narrativos - no que o aproximaria do estilo minimalista de escritores como o mineiro Evandro Affonso Ferreira. (...) As frases são quase invariavelmente na ordem direta; as descrições, pobres; a condução, monótona. Contudo, onde poderiam ser lidas como falhas, no texto do gaúcho essas peculiaridades chegam como um estilo hiperdistinto, mix de Sid Vicious e Apollinaire. Monocórdica, sua narração é lisergicamente hipnótica. Quando se percebe, três horas se passaram e você devorou o livrinho inteiro. (...) Benvenutti daria uma ótima testemunha para um crime. Ele deve ser daquelas moscas de bar que passam horas segurando um copo de Dreher e viajando nas idéias dos passantes com a caneta pensa sobre um guardanapo sujo. "Vida do carrasco" é um estranho conto, de perfeição a que poucos narradores têm acesso - sujeitos do reino da fábula, Esopo, Millôr Fernandes. (...) Os paradoxos narrativos se repetem com a simplicidade terrível dos microcontos de Kafka. Alguns chegam a ser cinematográficos, como "A vida dos búfalos", em que uma insurreição de búfalos nas trincheiras da Segunda Guerra, na fronteira da Bélgica com a Alemanha, é contada no tom realista mágico de um Garcia Márquez tosqueado. Mas predominam histórias quase puras, em que só existe narração. Um traço curioso é que nem mesmo o conteúdo mais dramático encontra uma forma eloqüente: entijolada em parágrafos, a escrita de Benvenutti, apesar de, em alguns momentos, parecer emocionar-se, é quase sempre burocrática, linear, plana. Esse estilo a frio joga uma opacidade sobre o texto responsável tanto por sua verossimilhança quanto por seu encanto de mofada história de fada." (Ronaldo Bressane, Jornal Rascunho)

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"Quem é Marcelo Benvenutti, que Fausto Wolff considera um dos melhores escritores brasileiros da nova geração?" (Nataniel Jebão, O Pasquim 21)

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"O personagem do conto A Vida De Marcelo, “um ser salsicha”, compreende o que digo. Ou, pelo contrário, há muito deixou de tentar entender, apenas vai protagonizando seu filminho pessoal automaticamente. O único risco que se corre é se encontrar com alguém que venha a duvidar de nossas vidas e desmoronar nossos castelos de cartas aos olhos dos outros. Pois há outros. Que também passam a acreditar em nossa farsa, como que num mecanismo de autodefesa em favor de suas próprias. E assim vai aumentando o número de incrédulos pacientes consigo mesmo e mais um livro é escrito. Benvenutti não é um ladrão. É um mentiroso. E construiu sua cidade sobre os alicerces do embuste." (Ricardo Guimarães Ishak, Capitu)

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"Marcelo Benvenutti pode ser um mentiroso. Que seja. Pelo menos é dos melhores. Das três edições já lançadas pela editora Livros do Mal, "Vidas Cegas" - a mais nova criatura da editora - é o que mostra uma verve mais diferente, divergente, afoita até. Coloca o leitor num lugar não comum, diverso. E em situações inusitadas também. É assim que alguns "trocinhos", numa definição meio Fernando Bonassi, formam o catálogo de vidas levadas às primeiras e últimas conseqüências. Brincando de Deus, Marcelo tripudia ao criar vidas. Vidas de Fábio, de Ulisses, Mateus, Gustavo, Bárbara, Ana, Luciana, Orlando, Ernesto, e muitos outros que estão nas páginas deste que é seu primeiro livro. Vai mais longe. Expõe a vida dos Mortos, do Bar, do Amor, dos Ciclopes Selvagens, dos Amarelos Piscantes, de Ninguém, da Lágrima Seca, das Mulheres Chuvosas, do Segredos Felizes, da própria Vida." (Rogéria Araújo, Jornal da Paraíba)

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"Imagine um mestre sufi bêbado, com a fumaça e os odores urbanos como discípulos. É assim que o autor revela como descobriu que Deus é um hippie e fala sobre uma cidade habitada Só por famosos, que tem a rotina alterada quando uma pessoa comum se muda para lá. Setenta pequenos "causos" de tom despretensioso e quase mântrico como estes definem o livro de estréia do gaúcho Marcelo Benvenutti: um livro de parábolas - ainda que alucinadas." (Eduardo Fernandes, Revista Trip Online)