Ainda orangotangos

Capa
Ainda orangotangos


Autor Paulo Scott
Ilustrações Paulo Chimendes
Gênero Contos
Coleção Tumba do Cânone
Ano 2003
Especificações 120p. ; 14x18cm
Obs. inclui CD grátis com 22 músicas compostas especialmente para acompanhar o livro
Preço R$ 20,00 (como comprar)
Sobre o autor Paulo Scott é autor do livro de poesia ´Histórias curtas para domesticar as paixões dos anjos e atenuar os sofrimento dos monstros´ (Sulina, 2001); com a ajuda do músico Flu e do desenhista Fábio Zimbres, criou o cultuado evento literário de Porto Alegre ´PóQUET: rUÍDO & LITErATUrA >>> ESCRITORES QUE TOCAM – MÚSICOS QUE ESCREVEM <<<´.



Trecho do livro
"A ventarola da cabine ficou aberta, o vento entra e sai furiosamente, joga um frio que arde em meus lábios. O vagão balança como um torniquete frouxo, desejoso por descarrilar, nadando nos míseros segundos da queda (primeiro pela grama coberta de gelo, depois encosta abaixo), como teus dedos mortos em minha boca. A gravação da tua voz aflita pedindo pra eu não te deixar partir, foi o que sobrou. Todos estão mortos. O condutor sintético (imune por ser máquina) leva o trem pelo pampa gélido. Minhas unhas rodam como hélices sobre teus olhos, esfregam-se contra a maciez já quase exilada do teu rosto, para dar-te dor, ressuscitar-te, fazer-te voltar. Nada adianta. As bactérias aconchegadas nas minhas gengivas se atiçam mais e mais, reproduzem-se, aguardam como um cardume de robalos para saltar de meus beijos salgados, infectando quem estiver pela frente. Abro tua boca, observo tua língua querendo azular, recordo tua expressão de espanto naquela noite em que nos conhecemos na estação de alpinismo, quando, num beijo afoito, descobriste que eu não tinha língua e também o fato de teres me aceitado sem medo. Mas isso agora é passado. Aperto firme tua língua, arranco-a sem vacilo, beijo tua boca pela última vez, tomando-te como par. Misturado no sangue, sinto o doce da tua saliva, sugo-o sem engolir. Aperto os lábios, deixo de respirar. Protelo teu gosto no céu da minha boca, engasgo-me entre nuvens brancas (empoadas sem pressa, enquanto sufoco), espremo-as em busca de ar, mesmo assim não respiro. Oh, espera meu inocente amor, espera, já vou. Não há mais vingança. Meu coração salta forte, cruzo os braços, aperto-o como nunca, é bom que saiba logo: chegou nossa hora."



O que foi dito
"Paulo Scott, o autor deste livro, não é nem um pouco louco, apesar das insanidades que acontecem em seu segundo livro, Ainda Orangotangos. Não, deixe-me voltar atrás a tempo: ficção não é insanidade, é um exercício de possibilidades. E este exercício é colocado em cada parágrafo; e são parágrafos longos, acredite. Mas todos têm a suavidade necessária, quando necessário. E muitas dimensões, para quem tem olhos para vê-las. Boa parte destas possiblidades se sobrepõe no universo da cidade de Porto Alegre, que cada vez mais se torna o pólo de histórias que permeiam a multidimensionalidade da vida, como as que Scott conta, descascando as camadas da realidade aparente para que possamos vislumbrá-las, nem que seja só um pouquinho. Seu livro é acompanhado de uma trilha sonora composta especialmente para a obra, com destaque especial para Flu (que lançou recentemente No Flu do Mundo, um disco que todo mundo deveria escutar ao menos uma vez) e Paulo Campos. A trilha embala cada história. Talvez para tornar mais digerível ao leitor comum a sensação de estar entrando em lugares entreabertos, úmidos e distorcidos, os quais foram feitos para todos os atrevidos entrarem, mas que precisam de olhos fortes para encará-los de frente. Você pode não estar preparado para isto, mas Scott não se importa nem um pouco. Porque ele também é atrevido. Uma qualidade que anda, por sorte, cada dia menos em falta na literatura brasileira." (Delfin, http://oculos.webcindario.com/)

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"Mesmo que muito bem escritos, os contos estão longe de agradáveis. Seja pelas explosões de violência ou por uma sugestão constante de perigo que as permeia, as histórias não descem leves. Ler o livro em uma sentada acentua o efeito, ao contaminar as narrativas mais leves - como “Sopros de Ampulheta” e “Casacas Grenais” - com o peso das anteriores. Além de tratar temas difíceis sem sentimentalismo ou a irritante preocupação de oferecer soluções, “Ainda Orangotangos” se destaca por seus experimentos formais. Parágrafos são desmontados ou compactados, histórias são contadas fora de ordem ou começam depois do seu início, criando efeitos que fortalecem o texto sem prejuízo. " (Rodolfo S. Filho, A Tarde)