Clipagem


Jornal da Paraíba
15 de junho de 2002
por Rogéria Araújo


As vidas cegas de Benvenutti

Chegando aos poucos no mercado editorial, a editora Livros do Mal, de Porto Alegre, acaba de lançar a sua terceira cria: "Vidas Cegas", de Marcelo Benvenutti, fortalecendo assim o leque nas opções de novos autores, nem tão novos assim, mas que se apresentam pela primeira vez ao grande público.

Parte da atual produção literária no Brasil tem saído da internet. Daniel Galera e Daniel Pellizzari, autores de "Dentes Guardados" e "Ovelhas que voam se perdem no céu", primeiros títulos da editora, são alguns exemplos. Deixando um pouco a net de lado, os dois, juntamente com o ilustrador Guilherme Pilla, resolveram pôr em prática o projeto da editora Livros do Mal, "um esforço de publicação independente".

"Eu comecei a publicar os meus primeiros contos a partir de 1997, em sites da internet. De 1997 a 2000, editei uma revista literária online chamada Proa da Palavra. De 1998 a 2000, fui colunista fixo do Cardosonline, onde publiquei mais de uma centena de contos, artigos, crônicas e resenhas", conta Galera.

Os dois livros, em contos, foram lançados em 2001 e contaram com apoio de um programa de incentivo local de Porto Alegre, onde está sediada. Hoje, a Livros do Mal já dá os primeiros passos sozinha. Tanto é que já está aceitando originais para análise.

"Queremos continuar publicando livros e estamos recebendo originais para análise. Por ora, qualquer tipo de texto nos interessa, menos poesia", disse.

Aviso aos interessados: os originais podem ser enviados (não serão aceitos textos pela internet) pelo Correio, em duas vias impressas e encadernadas para Rua Professor Antônio José Remião, 15/77, CEP 91770-680, Porto Alegre - RS.

Enquanto isso, alguns projetos no prelo, como um livro novo de Daniel Pellizzari previsto para sair ainda esse ano, uma história em quadrinhos e um livro com ilustraçes e poemas de Guilherme Pilla.

"Vidas Cegas", assim como os títulos anteriores, chega na leva do que se vem convencionando chamar - talvez até por uma necesdsidade tácita - de nova literatura brasileira, com autores que se apresentam ao público pela primeira vez. Obras que não se prendem - com todo o respeito - a nomes e sobrenomes já conhecidos; mas que chegam com a mesma vontade de dizer algua coisa, numa linguagem bem própria. Uma iniciativa ousada que merece toda a tenção.


A obra

Ana se nega a rezar pelos mortos na Cidade dos Mortos. Ana tira os sapatos e se masturba. Também tem os Ciclopes Selvagens que não penteiam o cabelo e não estão nem aí para o sábado, até porque eles desconhecem essa palavra. Eis que aparece a menina Gustavo que ganhou esse nome, dizem, por causa de um imperador. Gustavo adorava bordar. Já Ângelo ocupava o vazio bebendo. Bebia para esquecer aquilo que era, mas ainda tinha uma vaga lembrança.

Marcelo Benvenutti pode ser um mentiroso. Que seja. Pelo menos é dos melhores. Das três edições já lançadas pela editora Livros do Mal, "Vidas Cegas" - a mais nova criatura da editora - é o que mostra uma verve mais diferente, divergente, afoita até. Coloca o leitor num lugar não comum, diverso. E em situações inusitadas também.

É assim que alguns "trocinhos", numa definição meio Fernando Bonassi, formam o catálogo de vidas levadas às primeiras e últimas conseqüências.

Brincando de Deus, Marcelo tripudia ao criar vidas. Vidas de Fábio, de Ulisses, Mateus, Gustavo, Bárbara, Ana, Luciana, Orlando, Ernesto, e muitos outros que estão nas páginas deste que é seu primeiro livro. Vai mais longe. Expõe a vida dos Mortos, do Bar, do Amor, dos Ciclopes Selvagens, dos Amarelos Piscantes, de Ninguém, da Lágrima Seca, das Mulheres Chuvosas, do Segredos Felizes, da própria Vida.

Mais uma oportunidade, dizem, para ler o novo.