Clipagem


Folha de SP
26 de maio de 2003
Por Diego Assis


Daniel Galera agarra o osso do romance

Há cerca de dois anos, quando resolveu mostrar para o público os seus "Dentes Guardados", Daniel Galera não era mais que um vira-lata. Hoje, de livro novo na mão, com o anterior em cartaz no teatro, adaptado por Mário Bortolotto, e contrato de publicação de sua editora, a Livros do Mal, na Itália, o escritor de Porto Alegre continua dispensando o pedigree. "Sempre gostei de vira-latas, vejo muita coisa interessante na relação deles com os homens", afirma Galera, 23, que, em "Até o Dia em que o Cão Morreu", seu romance de estréia, traz novamente um pulguento para o centro da narrativa.

Escrita "aos saltos", a história de 120 páginas só pode ser lida, no entanto, de uma tacada só. "Cheguei a pensar que o livro teria umas 200 ou 300 páginas, mas fui conseguindo melhores resultados com uma concisão maior", afirma o autor. "Vejo-o como uma narrativa longa que busca aquele "punch" do conto."

Teorias à parte, "Até o Dia em que o Cão Morreu" narra a história de um jovem recém-formado em letras, classe média, morando em um apartamento sozinho (com a ajuda do pai) e, sem entender muito bem o porquê, "velho demais para morrer jovem". Soa familiar? "Um bom número de pessoas se identifica com algum dos personagens. Já estou enlouquecendo com as piadinhas de "livro de geração'", reclama.

Mas, apesar das bebedeiras e porra-louquices do protagonista, "Até o Dia em que o Cão Morreu" não é só isso: "Queria falar sobre o significado da solidão e da morte, da oposição dos nossos impulsos mais passionais à necessidade de estabilidade material. Associar o texto à minha idade, classe social ou momento histórico é papel do leitor e do crítico, se eles tiverem vontade de fazer isso".

Então deixa para lá... O que interessa, aqui, é justamente a tranquilidade do autor em transitar de um capítulo/página a outro(a) deixando o sexo para falar do cão, as drogas para falar do pai, a vida para falar da morte.

"A literatura é um meio em que podemos e devemos nos dar ao luxo de ser individuais sem culpa, sem medo de ofender e prejudicar os outros. É um dedo na ferida, sim. Para mim, essa é exatamente a essência de toda a literatura relevante", diz o escritor, que começou as suas aventuras literárias na internet, no extinto Cardoso Online, e que, como suas próprias crias, ainda procura um emprego fixo e tenta acertar o passo entre trabalho e prazer. "Estou à beira da falência pessoal, na verdade."