Clipagem


Correio Popular (Campinas)
18 de maio de 2002
por Carlota Cafiero


Divagações sobre a vida

'Vidas Cegas', do gaúcho Marcelo Benvenutti, acaba de sair pela Livros do Mal

Com um olhar para o lado, dissimulado, o escritor gaúcho Marcelo Benvenutti parece querer disfarçar, como se, essa coisa de escrever não fosse com ele. Pelo menos, essa é a impressão que se tem ao olhar sua fotografia reproduzida na orelha do seu primeiro livro, Vidas Cegas. Prova disso é o texto que vem logo acima da foto do autor: "Marcelo Benvenutti é o maior mentiroso que já escreveu em qualquer língua. Ele não é um escritor. É um ladrão e assim deve ser tratado".

Ironia ou pura ousadia, o fato é que Benvenutti teve coragem - ou a cara-de-pau - de escrever um livro e lançá-lo pela editora Livros do Mal. O lançamento está marcado para a próxima terça-feira, no Bar da Esquina, em Porto Alegre (RS).

Vidas Cegas é o terceiro livro que sai pela editora portoalegrense. Os primeiros foram Dentes Guardados e Ovelhas que Voam se Perdem no Céu, de Daniel Galera e Daniel Pellizzari, res-pectivamente, editores fundadores da Livros do Mal, junto ao ilustrador Guilherme Pilla.

Em 176 páginas, Vidas Cegas revela 69 contos/crônicas/prosas, ou seja lá o que for, desse contador-publicitário que, consciente ou intuitivamente, possui uma maneira bastante peculiar de narrar suas histórias e divagações acerca da vida. Com títulos como A Vida de Jonas, A Vida de Bárbara, A Vida do Bar, A Vida do Instante, A Vida do Suicida Cínico, ou, simplesmente, A Vida - último texto do livro - chega um momento em que Benvenutti escreve: "Torna-se necessário, caros leitores, darmos uma pequena pausa nesta lista de vidas (...). Não quero confundi-los com primeiras ou segundas pessoas, mesmo tanto quanto com a terceira".

Como bom enganador ou criador de um personagem de si mesmo, Benvenutti diz: "Escrever na primeira pessoa não significa escrever em tom pessoal e nem que a história aconteceu realmente com aquela pessoa. Se alguém acredita que aquilo, da história, realmente aconteceu comigo, tanto melhor. Só comprova minha eficácia como bom mentiroso. O realismo puro e simples é a porra da burocracia jornalística. E isso é muito chato".

As personagens, nas histórias de Benvenutti, vivem sempre situações rotineiras, mas com pitadas surreais, como se o autor quisesse revelar o absurdo da vida. Assim como auto-ironia em se assumir como escritor, mesmo que maldito, o autor também mal assume suas personagens, quase sempre sozinhas ou vivendo como fantasmas nas cidades grandes. A preferência de Benvenutti é pela vida, sua fonte de inspiração, mesmo que feia, ignorando a solidão em frente aos computadores: "Enquanto alguns ficam enrugando a bunda em casa, a vida come pelas beiradas lá na rua".