Clipagem


Revista Bala
29 de julho de 2003
Por Bruno Galera


Hotel Hell

Pouco mais de 90 minutos: foi o tempo que gastei pra ler Hotel Hell, novo livro do Joca Reiners Terron pela Livros do Mal. Novamente, o apoio dos financiadores foi decisivo para mais essa refeição cultural de final de tarde.

Em primeiro lugar, é impossível não destacar a qualidade das edições dos livros da editora. Pensei que nada pudesse rivalizar o luxo d`O Livro das Cousas que Acontecem, mas me enganei redondamente. Este título é decididamente o mais bonito já lançado por esses pagos, e talvez o mais agradável que já manipulei. As ilustrações primorosas do irmão do autor, mais o acerto na ousadia de cores na capa e contracapa traz ao produto a condição de bem mais que durável. Não é só para adornar estantes: tem que ser carregado embaixo do braço e mostrado na cara de todo mundo que puder ficar com inveja.

Quanto ao texto, é assustadora a capacidade que Joca tem em manipular as palavras. Não apenas estilisticamente, mas também intelectualmente. Os parágrafos são precisos e extremamente diretos, o que não impede o leitor de ter suas noções repetidamente ameaçadas, aviltadas e violentadas. Frases de impacto parecem apenas um expediente para o autor, que surpreende a cada página.

Em uma análise mais profunda, descobrimos que não há como descrever a história, apresentada sob forma de curtos capítulos, que também podem ser considerados um apanhado de contos. O mundo de personagens de Hotel Hell é algo extremamente familiar, mesmo sendo povoado por velociraptors que comem merda, macacos sem escrúpulos e homens tatuados que andam nus pelas ruas sujas de São Paulo. É na descrição das situações mais pitorescas concebíveis pela mente humana que Terron aproxima a angústia dos seus seres folclóricos a da nossa existência capitalista e extremamente desesperada.

Para os que necessitam sempre de uma referência, há ecos de Lewis Carroll e principalmente de Campos de Carvalho pelas páginas da obra. Mas essas indicações surgem apenas como conforto para nossa mente, que insiste em querer se escorar em algo mais sólido, apesar da realidade caótica e difusa ser justamente o que o narrador quer expressar. Em terreno desconhecido, a melhor defesa é tentar evocar o que nos parece mais próximo.

A experiência corre fluente, ansiosa e extremamente divertida. Controlar o impulso da releitura é um grande desafio para quem ainda quer degustar os primeiros tira-gostos deste que é um dos maiores banquetes literários do ano, até agora. Isso se este não puder ser considerado o advento do cinema impresso.