Clipagem


Jornal A Tarde (Salvador)
14 de agosto de 2002
Por Rodolfo S. Filho


Uma grande espelunca

O Hotel Hell é tão grande quanto uma cidade. Seus cassinos, ruas, avenidas, bares e até um circo são povoados por personagens estranhos, mas ao mesmo tempo familiares. Uma gangue formada por dinossauros, um homem numa cadeira de rodas que persegue os carros em vez de pedir para os motoristas, centauros modernos com motos no lugar de cavalos. E a Garota Paisagem, a acrobata de pais meio loucos e corpo perfeito.

Já “Hotel Hell”, do escritor Joca Reiners Terron, é uma metáfora supra-real das cidades grandes, em particular São Paulo. Extraindo elementos, histórias e situações da cidade, o livro é carregado de elementos fantásticos e absurdos, mas que não nos parecem tão estranhos, apenas exagerados. Como os mitos urbanos, as narrativas entrelaçadas que formam “Hotel Hell” são quase plausíveis, mesmo causando repulsa por sua estranheza.

Perturbador e às vezes propositadamente confuso, o livro de Terron lembra um sonho – ou um filme de David Linch. As coisas vão acontecendo sem muita conexão entre si, mais se acumulando que propriamente se sucedendo. Os elementos das histórias se misturam, passando de uma a outra sem muita clareza. A narrativa em primeira pessoa – em momentos se aproximando da técnica do fluxo de consciência – confunde ainda mais os eventos, criando efeitos interessantes até o leitor se situar. Ao mesmo tempo, a brevidade de cada história-capítulo arrasta as sensações e idéias de uma parte do texto – e do hotel – para outra, abrindo possibilidades que contos isolados não permitiriam.

Além da prosa poderosa, “Hotel Hell” conta com as ilustrações de Felix Reiners. Dando vida aos hóspedes dos hotel e habitantes das imediações, as imagens delimitam um pouco as possibilidades do texto, ao mesmo tempo que acrescentam uma outra camada de humor com seu traço claro e limpo.

De modo semelhante a “O Livro das Cousas que Acontecem” – companheiro na coleção Tumba do Cânone –, “Hotel Hell” choca com elegância o lado menos agradável do cotidiano com uma realidade fantástica.