Clipagem


Revista Aplauso
Novembro 2001
por Tailor Diniz

Do Mal, mas nem tanto

A editora Livros do Mal não vai acabar com a polêmica, mas sua presença física na prateleira é um alento para os que acham que o formato livro ainda tem muita vida pela frente, apesar da popularização do computador e da Internet. Daniel Galera, um dos primeiros autores lançados pela editora, é oriundo do meio virtual, onde publicou e difundiu seus textos, com um vasto público de leitores cativos.

A criação de uma editora de livros normais, com lombada, papel e tinta, não deixa dúvidas: pelo menos por enquanto a Internet ainda tem lacunas que só o velho e bom livro preenche, quando o caso é atender plenamente aos anseios literários de quem já fazia sucesso no meio virtual. É certo também que, na carona da Internet, está surgindo uma nova geração de escritores que, nos últimos anos, vêm exercitando o ofício de escrever com regularidade.

Daniel Galera é um notório representante dessa geração. Já neste seu primeiro livro, Dentes Guardados, demonstra ser um escritor sem os defeitos dos estreantes, exatamente pela prática adquirida ao escrever e publicar com regularidade. Com um estilo sem falsos pudores, em especial quando o assunto é sexo, às vezes lembra Charles Bukowski. Suas personagens, quase sempre, são criaturas que habitam as margens do chamado mundo normal das aparências - aqueles que perambulam sem destino pela cidade, enchem a cara num boteco de esquina, cedo da manhã, ou voltam à rua, depois do expediente num escritório do centro, para aliviar as tensões do dia a dia de uma forma nada convencional: atropelar e matar cães vadios que perambulam pela cidade.

No entanto, além da preocupação um tanto desnecessária em explicar o motivo de certos comportamentos de suas personagens, percebe-se também, em todos os contos, a intenção do autor em deixar claro que, marginais ou não, convencionais ou não, no Garagem Hermética ou na feijoada do Plazinha, o boneco quer mesmo é ser feliz. Os anseios da humanidade não mudam muito, sob este ou aquele ponto de vista. Todos estamos atrás do emprego ideal, do relacionamento pautado pelos chamados bons sentimentos, de harmonia e reciprocidade, em que os parceiros não precisem se tornar inimigos eventuais para terem onde descarregar as suas amarguras acumuladas no cotidiano.

A destacar, o conto triângulo, talvez o mais Bukowski de todos. Ou seja: aquele que começa Bukowski e termina quase-Bukowski. "... ela era linda, começou a chupar a long neck como se fosse um caralho. Olhando pra mim." Ainda a favor desse conto, um inquietante jogo de perspectivas criado a partir de uma irretocável alternância de narradores que só os mestres conseguem. Triângulo, juntamente com será numa quinta-feira, o outro conto excelente da coletânea, valeriam pelo livro todo.